Estou a gostar imenso desta série e tenho mais um (extenso) comentário para fazer.
O exemplo do termo “planeta” é excelente para traçar essa diferença de plano entre os conceitos e as realidades extra-linguísticas a que eles se aplicam. Ao redefinir a intensão do conceito de planeta, as condições necessárias e suficientes que determinado objecto tem de satisfazer para cair sob o seu âmbito, parece que o que realmente estamos a fazer é uma reordenação da grelha conceptual por via da qual “dividimos” e categorizamos a realidade. Provavelmente, a redefinição do termo “planeta” implicou que a sua extensão tenha diminuído, isto é, o conjunto de objectos que o satisfazem é menor. Mas como o número de objectos “lá fora” permanece o mesmo, então os que ficaram excluídos do conceito de “planeta” terão caído sob um outro conceito, porventura o tal “planeta anão”. Afigura-se ser apenas um rearranjo classificatório, ainda que motivado por razões de clareza, precisão ou coerência científica.
Neste sentido, concordo inteiramente com o Marco quando distingue o conhecimento do que existe do conhecimento dos termos que usamos para falar do que existe. O segundo seria, assim, uma espécie de meta-conhecimento.
Mas o que regerá essa relação?
Há um exemplo de que gosto bastante. Até se chegar à Austrália, qualquer manual de zoologia poderia conter a proposição universal “todos os cisnes são brancos” e isso seria considerado conhecimento científico. Contudo, foram lá vistos uns seres que pareciam ser cisnes e eram negros. Como lidar com isso? Primeira hipótese: a proposição “todos os cisnes são brancos” é falsa, pois, afinal, há cisnes que não são brancos. Nesse caso, se a brancura não é uma propriedade essencial dos cisnes, temos de redefinir o conceito de cisne. Segunda hipótese: aquilo que vimos não é um cisne, apesar de se parecer com eles em tudo menos na cor, dado que, segundo a definição, os cisnes são brancos. Logo, temos de criar um novo conceito para acomodar este tipo de entidades.
E a pergunta é: será que esta actividade de redefinição ou aprimoramento conceptual é completamente livre, no sentido de que depende somente das nossas escolhas e interesses, mas sem que o mundo ao qual se vai aplicar lhe imponha constrangimentos? Será que basta assegurar uma espécie de coerência interna do sistema de conceitos (evitando conceitos inconciliáveis, sobrepostos, ou mesmo contraditórios, por exemplo) e tudo o mais seria puramente convencional? Ou será que a forma como o mundo é impõe, para que a possamos captar no plano linguístico, que a linguagem tenha necessariamente uma determinada forma de organização?
Pegando no exemplo dos cisnes, a opção por uma das hipóteses é inteiramente livre e dependente dos nossos propósitos, ou dependerá daquilo que os cisnes realmente são? Se a brancura for realmente uma propriedade essencial dos cisnes, poderíamos ainda assim escolher a segunda hipótese? Claro que, de facto, podemos; mas seria uma opção “legítima”?
Estou a gostar imenso desta série e tenho mais um (extenso) comentário para fazer.
O exemplo do termo “planeta” é excelente para traçar essa diferença de plano entre os conceitos e as realidades extra-linguísticas a que eles se aplicam. Ao redefinir a intensão do conceito de planeta, as condições necessárias e suficientes que determinado objecto tem de satisfazer para cair sob o seu âmbito, parece que o que realmente estamos a fazer é uma reordenação da grelha conceptual por via da qual “dividimos” e categorizamos a realidade. Provavelmente, a redefinição do termo “planeta” implicou que a sua extensão tenha diminuído, isto é, o conjunto de objectos que o satisfazem é menor. Mas como o número de objectos “lá fora” permanece o mesmo, então os que ficaram excluídos do conceito de “planeta” terão caído sob um outro conceito, porventura o tal “planeta anão”. Afigura-se ser apenas um rearranjo classificatório, ainda que motivado por razões de clareza, precisão ou coerência científica.
Neste sentido, concordo inteiramente com o Marco quando distingue o conhecimento do que existe do conhecimento dos termos que usamos para falar do que existe. O segundo seria, assim, uma espécie de meta-conhecimento.
Mas o que regerá essa relação?
Há um exemplo de que gosto bastante. Até se chegar à Austrália, qualquer manual de zoologia poderia conter a proposição universal “todos os cisnes são brancos” e isso seria considerado conhecimento científico. Contudo, foram lá vistos uns seres que pareciam ser cisnes e eram negros. Como lidar com isso? Primeira hipótese: a proposição “todos os cisnes são brancos” é falsa, pois, afinal, há cisnes que não são brancos. Nesse caso, se a brancura não é uma propriedade essencial dos cisnes, temos de redefinir o conceito de cisne. Segunda hipótese: aquilo que vimos não é um cisne, apesar de se parecer com eles em tudo menos na cor, dado que, segundo a definição, os cisnes são brancos. Logo, temos de criar um novo conceito para acomodar este tipo de entidades.
E a pergunta é: será que esta actividade de redefinição ou aprimoramento conceptual é completamente livre, no sentido de que depende somente das nossas escolhas e interesses, mas sem que o mundo ao qual se vai aplicar lhe imponha constrangimentos? Será que basta assegurar uma espécie de coerência interna do sistema de conceitos (evitando conceitos inconciliáveis, sobrepostos, ou mesmo contraditórios, por exemplo) e tudo o mais seria puramente convencional? Ou será que a forma como o mundo é impõe, para que a possamos captar no plano linguístico, que a linguagem tenha necessariamente uma determinada forma de organização?
Pegando no exemplo dos cisnes, a opção por uma das hipóteses é inteiramente livre e dependente dos nossos propósitos, ou dependerá daquilo que os cisnes realmente são? Se a brancura for realmente uma propriedade essencial dos cisnes, poderíamos ainda assim escolher a segunda hipótese? Claro que, de facto, podemos; mas seria uma opção “legítima”?
Desculpe mais este longo arrazoado…