Ainda um comentário sobre a segunda questão, também ela muito interessante, da distinção do conhecimento tendo por referência cada indivíduo tomado singularmente ou tendo por referência a totalidade do grupo humano.
A tese do Marco, se bem a compreendi, é a de que, enquanto grupo, temos hoje um maior acervo de conhecimentos, mas individualmente somos mais ignorantes do que o era um indivíduo pré-histórico. E assim seria porque o acervo global de conhecimentos é hoje muito maior do que era antes, ao passo que a capacidade individual de reter conhecimento não terá crescido na mesma proporção. Como tal, hoje o conhecimento individual é uma parte menor do conhecimento total existente do que seria na pré-história.
Concordo e acho plausível, mas isto exprime apenas uma razão entre os dois tipos de conhecimento dentro de cada período histórico, ainda que não seja incompatível com a hipótese, que me parece também bastante plausível, de que, em termos absolutos, um indivíduo actual é menos ignorante do que um indivíduo pré-histórico.
Suponhamos que, na sociedade pré-histórica, o conhecimento global era 100 e que, em média, cada indivíduo conhecia 2. E que, na actualidade, o conhecimento global acumulado é de 5000 e cada indivíduo sabe, em média, 10. É verdade que, na sociedade pré-histórica, cada indivíduo sabe uma parte maior de tudo o que havia para saber nesse momento. Mas também é verdade que cada um dos indivíduos pré-históricos, individualmente considerado e sob um ponto de vista absoluto, é detentor de um acervo de conhecimentos menor do que um indivíduo actual. Em termos simples, sabe menos coisas. Logo, sob esta perspectiva, a ignorância individual era maior.
E a pergunta é: a nossa ignorância deve ser medida pelo que realmente sabemos, ou por aquilo que há para saber, mas não sabemos? O maior sábio dos nossos tempos é, ainda assim, mais ignorante do que um indivíduo médio pré-histórico?
Estas questões são muito interessantes. Gostaria de fazer alguns comentários e, porventura, apresentar uma ou outra objecção.
Sobre o problema do conhecimento, cuja falta gera a ignorância, e em especial sobre a questão de saber se ela tem crescido ou diminuído ao longo da história, creio que talvez seja proveitoso fazer uma distinção entre diversos tipos de conhecimento, em função do respectivo objecto. Temos o conhecimento proposicional, conhecimento de “verdades sobre o mundo”, que é a acepção mais comum. Podemos saber que o Mondego desagua na Figueira da Foz, que Madrid é a capital de Espanha, que a soma dos ângulos internos de um triângulo perfaz sempre 180º. Não podemos saber que os polvos são bípedes porque essa é uma proposição falsa, nada há na realidade que seja um polvo bípede. Mas depois podemos conhecer uma cidade (mesmo que ignoremos muitos factos sobre essa cidade), tal como podemos conhecer determinada pessoa, e isso é uma forma diferente de conhecimento, um conhecimento “objectual”. E, finalmente, podemos saber tocar piano, nadar mariposa, fazer rendas de bilros, etc. É ainda uma terceira forma de conhecimento, uma competência adquirida, uma aptidão que se aprendeu.
Diria que uma sociedade pré-histórica diferiria menos das actuais, ao menos em termos quantitativos, nos 2.º e 3.º tipos de conhecimento, mas o fosso seria maior quanto ao primeiro tipo. Seja porque ao longo da história descobrimos muitas coisas que antes nos escapavam e, por isso, não era susceptíveis de ser conhecidas ou sabidas, como porque há hoje muito mais realidades passíveis de ser objecto de conhecimento.
Caro João, um comentário rápido para dizer que ainda não respondi por falta de tempo, mas gostei mesmo muito de ler os comentários. Gostava de conseguir conversar um pouco sobre o tema. Até breve!
Fico satisfeito, é um tema que me interessa bastante e tenho ainda outros comentários para fazer. Contudo, a falta de tempo parece ser um problema que nos atinge a todos...
Hei dicir que, non concordo en absoluto coa idea de que as sociedades prehistóricas fosen máis ignorantes do que somos nós hoxe en día. Non podemos analizar unha cultura primitiva coas ferramentas epistemolóxicas actuais.
Ainda um comentário sobre a segunda questão, também ela muito interessante, da distinção do conhecimento tendo por referência cada indivíduo tomado singularmente ou tendo por referência a totalidade do grupo humano.
A tese do Marco, se bem a compreendi, é a de que, enquanto grupo, temos hoje um maior acervo de conhecimentos, mas individualmente somos mais ignorantes do que o era um indivíduo pré-histórico. E assim seria porque o acervo global de conhecimentos é hoje muito maior do que era antes, ao passo que a capacidade individual de reter conhecimento não terá crescido na mesma proporção. Como tal, hoje o conhecimento individual é uma parte menor do conhecimento total existente do que seria na pré-história.
Concordo e acho plausível, mas isto exprime apenas uma razão entre os dois tipos de conhecimento dentro de cada período histórico, ainda que não seja incompatível com a hipótese, que me parece também bastante plausível, de que, em termos absolutos, um indivíduo actual é menos ignorante do que um indivíduo pré-histórico.
Suponhamos que, na sociedade pré-histórica, o conhecimento global era 100 e que, em média, cada indivíduo conhecia 2. E que, na actualidade, o conhecimento global acumulado é de 5000 e cada indivíduo sabe, em média, 10. É verdade que, na sociedade pré-histórica, cada indivíduo sabe uma parte maior de tudo o que havia para saber nesse momento. Mas também é verdade que cada um dos indivíduos pré-históricos, individualmente considerado e sob um ponto de vista absoluto, é detentor de um acervo de conhecimentos menor do que um indivíduo actual. Em termos simples, sabe menos coisas. Logo, sob esta perspectiva, a ignorância individual era maior.
E a pergunta é: a nossa ignorância deve ser medida pelo que realmente sabemos, ou por aquilo que há para saber, mas não sabemos? O maior sábio dos nossos tempos é, ainda assim, mais ignorante do que um indivíduo médio pré-histórico?
Estas questões são muito interessantes. Gostaria de fazer alguns comentários e, porventura, apresentar uma ou outra objecção.
Sobre o problema do conhecimento, cuja falta gera a ignorância, e em especial sobre a questão de saber se ela tem crescido ou diminuído ao longo da história, creio que talvez seja proveitoso fazer uma distinção entre diversos tipos de conhecimento, em função do respectivo objecto. Temos o conhecimento proposicional, conhecimento de “verdades sobre o mundo”, que é a acepção mais comum. Podemos saber que o Mondego desagua na Figueira da Foz, que Madrid é a capital de Espanha, que a soma dos ângulos internos de um triângulo perfaz sempre 180º. Não podemos saber que os polvos são bípedes porque essa é uma proposição falsa, nada há na realidade que seja um polvo bípede. Mas depois podemos conhecer uma cidade (mesmo que ignoremos muitos factos sobre essa cidade), tal como podemos conhecer determinada pessoa, e isso é uma forma diferente de conhecimento, um conhecimento “objectual”. E, finalmente, podemos saber tocar piano, nadar mariposa, fazer rendas de bilros, etc. É ainda uma terceira forma de conhecimento, uma competência adquirida, uma aptidão que se aprendeu.
Diria que uma sociedade pré-histórica diferiria menos das actuais, ao menos em termos quantitativos, nos 2.º e 3.º tipos de conhecimento, mas o fosso seria maior quanto ao primeiro tipo. Seja porque ao longo da história descobrimos muitas coisas que antes nos escapavam e, por isso, não era susceptíveis de ser conhecidas ou sabidas, como porque há hoje muito mais realidades passíveis de ser objecto de conhecimento.
Caro João, um comentário rápido para dizer que ainda não respondi por falta de tempo, mas gostei mesmo muito de ler os comentários. Gostava de conseguir conversar um pouco sobre o tema. Até breve!
Fico satisfeito, é um tema que me interessa bastante e tenho ainda outros comentários para fazer. Contudo, a falta de tempo parece ser um problema que nos atinge a todos...
Hei dicir que, non concordo en absoluto coa idea de que as sociedades prehistóricas fosen máis ignorantes do que somos nós hoxe en día. Non podemos analizar unha cultura primitiva coas ferramentas epistemolóxicas actuais.
Obrigado, Belén! :)
Venha a edição em papel!
Um dia... :)