Pilha de Livros
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123. Acidentes gramaticais e terraplanismo linguístico
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123. Acidentes gramaticais e terraplanismo linguístico

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A Zélia sofreu um acidente com um livro (o episódio de hoje inclui uma cena arrepiante) — e eu ponho-me a falar de terraplanismo linguístico. A meio do episódio, o meu filho Simão tenta imitar (sem querer) a mãe.

Episódio dedicado à Zélia, que tem de aturar estes meus vícios radiofónicos e ainda leva com gramáticas na cabeça (do dedo).


O episódio de hoje arrepia (estais avisados) — conto o que aconteceu à Zélia por causa de uma gramática de Marcos Bagno, que lhe fez uma patifaria (a gramática, não o Marcos). Foi parar ao hospital (a Zélia, não a gramática) — e imagino a cara de espanto do médico ao ouvir dizer que a culpa foi do livro. Ainda dizem que as questões de língua não aleijam ninguém... No episódio, falo de outro problema grave (e doloroso): o terraplanismo linguístico. Descrevo o que me aconteceu num daqueles lençóis de comentários em que, por vezes, caímos. Uma pessoa tentou convencer-me (com insultos pelo meio) de que o imperativo de “admitir” é, na segunda pessoa, “admitas”. Ou seja, se eu quiser pedir a alguém para admitir, não devo dizer “admite” (“admite tu!”), mas “admitas” (o que até estaria bem se estivéssemos a falar da negativa: “não admitas!” — a língua é tramada e nem é preciso ser atacado por uma gramática para o perceber). Tentei dizer que não, que usar “admitas!” não está bem, mas não houve nada a fazer. Ainda tive de ouvir que hoje em dia vale tudo (até usar bem o imperativo!), que não podemos usar a terceira pessoa do singular como forma de tratamento, que há uma conspiração contra a língua desde os tempos do galego-português, que os espanhóis também não sabem escrever nada de jeito e que a culpa não é deles (coitados), mas da espécie tão estúpida que somos. A opinião, no fundo, era esta: convém corrigir a língua, porque quem a fez é estúpido. Tudo opiniões legítimas — excepto a do imperativo, porque não vale tudo. O que fazer perante isto? Não sei. Talvez criar um episódio da Pilha de Livros sobre o terraplanismo linguístico.

*

Por fim, uma nota: há quem goste de ouvir podcasts, há quem não goste — como em tudo nesta vida. Ora, como já tive pessoas a dizer que gostam muito de ouvir a Pilha de Livros e outras a declarar, honestamente, que não aguentam ouvir tanto tempo a minha voz (incluo-me claramente no segundo grupo), pensei: porque não aproveitar e escrever também textos um pouco maiores sobre alguns dos episódios que vou criando? Se alguém depois ouvir o episódio, perfeito. Caso contrário, amigos como dantes (mas com mais um texto para ler). E, assim, posso continuar alegremente a matar o vício da rádio todos os dias e a pagar tributo aos deuses da escrita, a quem devo obediência.

Obrigado por estarem desse lado (a ouvir ou a ler)!

Marco

P.S. Abaixo, deixo a versão em vídeo.


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Histórias dentro dos livros, à volta dos livros, sobre os livros — e ainda sobre o que fazemos com eles e por onde andamos com eles. De vez em quando, falamos também de línguas (e outras manias).
Marco Neves é autor de vários livros publicados em Portugal e na Galiza, da página Certas Palavras (www.certaspalavras.pt) e de uma coluna no Sapo 24. É docente na NOVA FCSH. O seu livro mais recente é o Atlas Histórico da Escrita.